terça-feira, 5 de abril de 2011

Janelas, portas e portais

Abrir as janelas da casa, era uma atividade importantíssima, todas as manhãs. Para que despertássemos dos nossos sonhos ou pesadelos e fôssemos abraçados
pelos raios de sol.
“ Abre a janela formosa mulher, dizia o poeta cantador...”

Minha mãe, não só abria as janelas. Na maioria das vezes, ajeitava a guela, abria a voz e desfolhava de sua árvore genealógica, páginas cheias de cantigas e canções de um repertório preparado por ela, durante suas passagens pelo universo musical das “bandas de bailes”.
“ Abre a janela formosa mulher, da velha lapa que passou!”

Junto com essas canções, surgiam melodias sem letras, que ela solfejava ou às vezes, usava outra técnica, que meu grau de pertencimento me autoriza a batizar de “gungunado”, em sua homenagem e inspirado no jeito de falar dos Pretos velhos, enfim, coisa de preto.

Por isso, sempre gostei de janelas. Não agüentaria morar em casas sem ou com deficiência de janelas. Automaticamente, quando abri a primeira janela desse texto, na primeira linha, já estava lembrando da casa onde nasci e das primeiras janelas que abri, após as janelas dos meus olhos...

Várias vezes, me pego revirando os arquivos imagéticos da minha infância, atrás de alguma informação perdida. Quando sei o que estou procurando, abro uma janela e logo, chego ao lugar ou situação buscada. Quando não sei, exatamente, o que quero, tenho necessidade de abrir várias janelas, até chegar onde preciso.

Esse processo de abrir janelas para visualizar coisas, acontecimentos e pessoas que passaram por nós, vai além do exercício de lembrar. É um trabalho de restauração da memória daquilo que somos. Tanto pelo que vivemos quanto pelo que deixamos de viver.
Ou seja, o que vivemos está dentro de nós, é parte do nosso corpo. O que deixamos de viver está no espaço da memória que acessamos quando abrimos nossas janelas imaginárias.

Se não tenho os códigos certos pra abrir a janela no tempo exato do acontecimento, dificilmente, vou acessar a informação que preciso, abrindo uma janela só. Aí, entra em cena o processo, de janela em janela posso ver todos os lados da casa.
Posso ainda, considerar que minha vida é minha morada, meu templo, quero dizer, moro em minhas lembranças, sonhos, feitos e não-feitos.

Questionário

Você ouve o som que vem das massas
espremidas pelo rolo compressor?
Que tritura corpos como se fosse cana em moenda...

Será que você sabe o valor de mil gotas de suor
que cai do corpo de um trabalhador?
Sabe quantas almas vagam
sem que uma luz se acenda?

Imagina a quantidade de perguntas que compõe esse questionário?
Você separa o seu lixo?
Você dá esmola?
Tem endereço fixo?
Você passa a bola?

Qualé a cara de Deus no seu imaginário?
É igual?
É diferente?
Seria a soma dos seus ancestrais com os seus descendentes?

Você é uma pessoa globalizada?
Vive onlainemente ?
Seu país foi colonizado?

O que você faz quando percebe que não está fazendo nada?
Entra em crise?
Chuta o balde?
Se aplica?
Se muda?
Ou senta a bunda na calçada?
Se faz de morto ?
Dorme no chão?
Vira cachorro?
Mija no poste?

Se sente um completo animal?
Sem choro, sem riso, sem bem ou mal
sem inferno ou paraíso, sem corpo de operário, sem pose de intelectual...
Você ouve o silêncio sufocado dos que vivem na asfixia do underground?

Não se preocupe com o meu cabelo, com a minha roupa, com o meu estilo, minha estética, tenha ética!
Não se meta em minha rima, não dê meta a minha métrica.

Não me peça que eu me esqueça
Eu tenho um Rio de memória dentro da minha cabeça.