terça-feira, 21 de agosto de 2012

Desnecessidades diárias

Em uma das canções que fazem parte do repertório do meu primeiro cd solo, falo da questão cíclica da engrenagem da nossa memória. Acredito que ao longo do tempo em que crescemos, vamos colecionando uma multiplicidade de informações e nesse pacote, entram coisas que queremos e coisas que não queremos. A problemática colocada aí, configura-se assim: As coisas que queremos, são aquelas que escolhemos por imaginar que elas cabem em nós, mesmo não sabendo ao certo o que fazer, guardamos, ao guardá-las, elas correm o risco de virar rascunhos desnecessários, de algo tão ideal, que nunca realizaremos...não importa, nós guardamos. Na outra estante, gaveta ou baú, seja lá o que for...estão as coisas que não queremos, aquelas coisas que não escolhemos, mas por alguma fraqueza de espírito, elas entraram em nosso território íntimo, não sabemos como expulsá-las e nem sabemos o que fazer com elas, mas guardamos...doentiamente, guardamos! A letra da canção que escrevi pro cd Margem Zen, diz o seguinte: tanta coisa pra pensar, tanta coisa pra fazer...tanta coisa pra lembrar, tanta coisa pra esquecer... Penso que nossa memória faz esse ciclo o tempo todo, lembra ,esquece, lembra, esquece,lembra e esquece. Até porque seria muito cansativo lembrar eternamente de alguma coisa,imagina uma luz acesa pra sempre, só gastando...imagina a sua memória só lembrando, sem nunca esquecer de nada...você poderia ganhar o nobel da Lembrança e daí? Bem, pra complicar um pouco mais nossa problemática inicial, penso que o esquecimento é natural e orgânico, quanto mais você se preocupa em lembrar, mais se esquece. Quanto mais se preocupa em descobrir o que fazer com as coisas que escolheu pra você, mais se esquece daquelas que não escolheu, mas guardou pra depois. Agora, imagina só, se as coisas de sua escolha podem virar lixo, que dirá essas que você não escolheu? Podem virar lixo muito mais rápido. Pra finalizar, o esquecimento é como guardar algo em um lugar fechado e escuro, com fortes probabilidades de apodrecer...descobrir o que fazer com o conteúdo que se quer esquecer é outra ação.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Códigos afetivos

No infinito universo dos códigos que compõem os mais variados tecidos de comunicação entre as pessoas e entre os muitos grupos sociais, quero aqui, de forma desprendida, falar sobre alguns. Não sei, exatamente, quando comecei a desenvolver um tipo de relação diferenciada com as plantas, especificamente, com as flores...me lembro de uma experiência muito marcante, ainda na infância, que mudou a minha relação com a cultura dos alimentos da terra, ou seja, a agricultura. Depois daquela experiência, nunca mais olhei uma semente, sem pensar em seus ciclos, até se transformar em alimento, pra nós ou para outros animais. Esse acontecimento marcante não alterou minha forma de olhar as plantas e nem as flores...por enquanto, só havia mudado com as sementes, plantas e flores ainda não tinham despertado minha paixão. Como já disse, não sei ou não lembro quando isso aconteceu. As primeiras plantas que chamaram minha atenção, que causaram algum tipo de curiosidade,foram três, todas pelos nomes que são chamadas e duas, além dos nomes, suas formas sempre me intrigaram. "Comigo ninguém pode", "Espada de São Jorge" e "lança de Ogum". Durante toda a minha infância, convivi com essas plantas em minha casa e nas casas dos vizinhos. Ficava tão intrigado que chegava a me perguntar: Será que essas pessoas combinaram? Por quê, todas tem as mesmas plantas em casa? Bem, só consegui algumas respostas, quando fui levado por minha mãe, às primeiras "sessões de terreiro"...lá, comecei a entender que aquelas pessoas estavam comunicando códigos de uma mesma cultura ou de uma mesma comunidade. No "Centro", assim é chamado o lugar onde praticam-se as cerimônias espirituais, pude conhecer outras plantas que não conhecia, entre elas, o Jasmim, o Alecrim, a Guiné, a Arruda...e lá estava a santíssima trindade verde: "Comigo ninguém pode", Espada de São jorge e Lança de Ogum. É claro que alguma coisa em mim mudou, por conta da onipresença dessa "trindade verde", sabia que estavam comunicando algo que eu não podia dar conta, naquela fase da minha vida. As primeiras flores que fizeram parte da minha história, felizmente, não foram as "flores de enterro" e nem as "flores pra namorada"...foram as "flores na janela". Trata-se de uma sequência ou um conjunto de latinhas de óleo de soja, que minha mãe abria, com um corte na lateral, fazia uns furos, enchia de terra com estrume(cocô de vaca)plantava umas plantinhas charmosíssimas e colocava nas janelas...todos os dias, tínhamos flores nas janelas da sala, do quarto, da cozinha e sempre recebíamos visitas de colibris apaixonados. Essas foram as primeiras flores da minha vida. Mais tarde, já no ensino médio, no curso de Ciências Agrícolas do CTUR( Colégio técnico da Universidade Rural)nas aulas de Botânica, dois portais novos se abrem pra mim...começo, literalmente, a entender o "sexo das flores" e assimilo uma esquisitice: cheirar todas as flores pra experimentar o seu poder de sedução e domínio sobre os nossos sentidos. Hoje, estou convencido de que, muita coisa mudou pra mim, depois daquelas aulas de Botânica. Nunca mais olhei uma flor como antigamente.