sábado, 30 de setembro de 2017

Rascunhos de carnaval

Desde 2004, por alguns motivos, profundamente, pessoais, me afastei um pouco da ambiência carnavalesca. É irônico afirmar isso, é claro. nascido, criado e morador da cidade do Rio de Janeiro, é, praticamente, impossível, se afastar da ambiência carnavalesca. Mas, devo confessar, que eu tenho tentado. Naquele ano, havia acabado de fundar, com alguns amigos, um bloco de rua, no bairro de laranjeiras, onde morava. O bloco Volta, Alice! Além de participar da fundação, compus, em parceria com mais três compositores, o primeiro samba do bloco. Em seguida, entre outros projetos, comecei a compor pro segundo cd da banda Caixa Preta, que batizei de Jongo contemporâneo e, simultaneamente, comecei a compor pra banda Black Rio, também o segundo cd da gestão de William Magalhães, esse chamamos de SuperNovaSambaFunk. Nesse mesmo ano, faleceu um de meus irmãos, a vida tava bastante confusa e eu tinha bem menos compreensão do caos e da morte. Então, entre tripas e estripulias, tapas e ponta-pés, tombos e cabeçadas, virei aquele ano ao avesso e deu no ano seguinte. Como ainda reinava sobre mim, aquele espírito de folião de rua, achei que era só trocar a fantasia e cair na folia...ledo engano! Tão enganoso, que o limo virou lodo. Salvo, uma novidadezinha e outra, uma nova composição ou qualquer ilusão camelodromática, o 2005, foi um dos piores anos da minha vida. Naquele ano conheci a profundidade melodramática da tristeza de um Pierrot apaixonado ou de um Arlequim abandonado. Na mesma linha de personagens que se desencantam pelas coisas da vida, me vi pela primeira vez, como um estrangeiro de mim mesmo. Foi um ano de pensamentos sombrios, trágico, de tristeza ácida, banzo, insinuações suicidas e profundas descobertas de dimensões de minha subjetividade, que até então, não conhecia. Ah! Que carnaval! Naquele ano não compus um samba, não pensei um enredo e nem desfilei. Só fiz me desapegar, me desprender, desapaixonar, foi o início do meu processo de descolonização. Foi meu carnaval iniciático, pra um longo tempo de libertação. Desde então, não sou mais carnavalista. Entrei noutro portal. Ah! Que carnaval! Quantas fantasias queimadas, quantas cinzas! Estou mais vivo, agora! Provei outros sabores, outros odores, outros saberes e sei mais sobre a morte, sobre caos e sobre mim. No entanto, em meio a toda aquela descarnavalidade sombria, alguns acontecimentos foram decisivos para que eu permanecesse de pé e acreditando na vida. Uma série de shows pelo interior do Estado do Rio, com a banda Caixa Preta, que contribuiu para a finalização do segundo Cd "Jongo Contemporâneo, lançado em 2010, no teatro Caixa Cultural, no Largo da Carioca; a participação no evento da consciência negra, com uma excelente apresentação da banda Caixa Preta, antes do show do artista da noite, que era nada mais, nada menos, que Jorge Ben Jor e pra salvar de vez, aquele meu ano esquesito, ganhei o prêmio palmares de Comunicação, com um projeto-piloto de uma rádio-novela intitulada: "Entre scratches e tambores", onde apresentei uma breve discussão sobre música negra contemporânea. Pesquisa, texto e direção. Esses acontecimentos, com certeza, me deram mais algumas décadas de vida, pra continuar analisando minha relação, inevitável, com as significações produzidas nos carnavais.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Literaturizando

Durante os primeiros anos da década de 1980, as primeiras leituras de textos dos pensadores críticos, que tive o privilégio de fazer, só foram possíveis, porque estavam traduzidas para o português. Karl Marx, Friedrich Engels, Antonio Gramsci, Georg Lukacs, Heidegger, Foucault, Sartre, Bacunin. Enquanto lia algumas obras desses autores, não me importava em dar conta do nome do artista, pesquisador e intelectual responsável pela tradução das mesmas. Hoje, sei o imprescindível valor do trabalho de quem faz as traduções de uma obra literária ou acadêmica. Uma tradução pode destruir a obra original ou pode melhorá-la. Abri essa conversa pra homenagear dois dos mais importantes tradutores brasileiros da contemporaneidade, seguindo a linha de análise gramsciana sobre os diversos tipos de intelectuais. O primeiro agigantou-se através das traduções e trabalhos críticos sobre as obras de Antonio Gramsci e Georg Lukács, falo do intelectual, crítico, pesquisador, professor e tradutor Carlos Nelson Coutinho. Responsável pelas leituras, que me iniciaram no ativismo político, ainda na década de 1980. O segundo, um guerreiro, pesquisador, escritor, crítico, tradutor e, além de contemporâneo, é meu amigo. Carlos Alberto Medeiros, uma das mais relevantes referências do Movimento Negro Contemporâneo brasileiro. Medeiros, hoje, me lembra o feito robusto de Carlos Nelson, ontem. A editora Jorge Zahar tem publicado vários títulos de dois pensadores badalados na atualidade, Zygmunt Baumam e Slavoj Zizek. Baumam já mais popular por aqui e, Zizek em vias de se tornar mais um pop star do mercado editorial brasileiro. No entanto, isso não seria possível, se não existisse a performance, o árduo e prazeroso trabalho do tradut@r. Assim, por trás de todo o sucesso desses autores nos mercados de língua portuguesa, está lá, o intelecto, o corpo e a alma do nosso querido Carlos Alberto Medeiros. Entre suas recentes traduções, encontra-se a Autobiografia de Martin Luther King. Fica a dica: nunca se esqueça de olhar a ficha técnica dos livros. Além dos autores, tem os organizadores, os tradutores, designers gráficos, fotógrafos, ilustradores e a editora. É importante saber quem está por trás daquilo que te proporciona algum conhecimento, dúvidas e provocações estimulantes, pra continuar pensando, lendo, fazendo e sendo o que se é. Boas leituras!