sábado, 17 de novembro de 2012

Rascunhos apresentativos

Quando comecei a pensar um projeto literário, que contemplasse a imensidão de anotações guardadas nas gavetas, pastas, caixas, arquivos, agendas antigas e guardanapos amarelados, juro, que não imaginava a dimensão desse empreendimento. Ao me voltar para os tais escritos, fui obrigado a relê-los. Essa releitura me levou a outros caminhos emocionais, que não tomaria, se não reencontrasse esses rascunhos. Dei de cara com sensações, já quase esquecidas, na penumbra, qual a chama de uma vela, no finzinho. Além de me atracar com esses "pseudos-textos", posso chamá-los assim, porque a maioria não passava de uma geringonça de garranchos, que me trouxe um alto grau de dificuldade até, pra decifrá-los. Afinal de contas, rascunhos são rascunhos, a gente produz como pode e deixa pra lá. Uma das funções primordiais do rascunho é não deixar uma ideia, ou o sentido central de uma ideia, se perder. Ao longo do período, que fiquei cuidando dos meus rascunhos, redescobri, reaprendi e aprendi uma série de coisas sobre mim mesmo. Como por exemplo, por quê guardar tanto rascunho? Descobri que sou apaixonado por processos científicos, ainda que seja só pra fazer arte. Por isso, guardava esses rascunhos como se estivesse guardando códigos de uma fórmula, para criação de alguma arma de guerra. Quando penso nisso, impossível não lembrar de uma conversa com o filósofo e professor Júlio Tavares, quando falávamos sobre "Jongo contemporâneo" e ele do alto de sua sabedoria dizia: "...Quem tem um conceito, já ganhou metade da guerra!" Tenho que admitir que estou trabalhando, conceitualmente, desde que comecei a me expressar publicamente. Daí, a causa de tantos rascunhos. Outra coisa que aprendi, é que cada rascunho é múltiplo de si. Quero dizer, que se eu voltar várias vezes no mesmo rascunho, posso produzir vários textos diferentes, é como se o rascunho fosse um radical, que se combina com diversos prefixos e sufixos, ou um pré-roteiro que pode receber alterações no seu início e no seu final. Para ser honesto comigo e com minha fase de aspirante a escritor, sempre soube que não ia dar conta de todos os rascunhos, alguns seriam publicados, tal como foram escritos, só seriam transcritos. Ao mesmo tempo, precisei admitir, dessa vez, pra fortalecer o conceito "rascunho-gráfico", que esse livro, jamais seria concluído ou finalizado, estaria sempre em fase de elaboração, seria sempre um monte de rascunhos inacabados. Tenho rascunhos da adolescência e não paro de produzi-los, onde vou chegar com tantos rascunhos? Por isso, resolvi começar esse texto, na intenção de utilizá-lo na apresentação do meu primeiro livro de reflexões sobre o exercício da memória afetiva, através da arte de escrever. Ao contrário do que possa parecer, produzo muito rascunho, porque sou inquieto, crítico e auto-crítico o suficiente pra ficar anos sem escrever nada, só ouvindo, lendo, pesquisando e re-significando o barato de escrever. Ao mesmo tempo, gosto tanto do que faço e acredito tanto no meu "taco", que sou capaz de afirmar: Essa é a apresentação que sempre quis pra esse livro. Boas reflexões para todos.

Bipolar

Às vezes, me parece que ser bipolar é saber viajar, de um polo ao outro, sem parar... Como se fosse um raio na velocidade imperceptível de um piscar... Assim, enquanto escrevo e pisco percebo com quantas piscadas vejo um verso e com quantas pinçadas pinço um cisco... Essa noite sonhei que estava numa pescaria, colocava a isca no anzol, lançava o anzol na água e não fisgava a peixaria... depois de algum tempo, já exausto, me rendi com as mãos pro alto e decidi que só ia pescar poesia... Ser bipolar é confundir a meta de um pescador com a de um poeta. Daquele dia pra cá, escrevo sempre que penso em pesca. Não sei com quantos peixes se faz uma peixada nem quantos versos tem uma poesia pescada. Ah!Isso não sei, o importante é que pesquei... É claro que não contei a quantidade de piscadas. Ser bipolar é se comprimir entre os polos, pra se explicar... A arte do pescador é pescar peixes no mar, já o poeta tem a arte de ciscar ciscos no olhar.

Raciocínio negrológico

Em uma casa de terreiro, nasce o sambista, que faz samba de terreiro. O samba feito no terreiro, quase sempre é numa roda com mais de um sambista. Em uma roda de samba, nascem várias ideias, inclusive, a de criar uma escola de roda de samba de terreiro... Pra que nasçam outros sambistas, herdeiros daqueles que criaram as primeiras rodas de sambas e os primeiros sambas de terreiro. Nessa mesma casa, com terreiro, roda de samba, sambistas e muitas ideias, reinventa-se a lógica de ser "humano negro", uma espécie de negrolosofia.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Zumbiurbano

Esse entardecer tá cheio de vontade, de me debulhar em versos crus, Escarnecer minha sobriedade e dar meus grãos aos urubus... Enquanto o sol se devora, assim, a meia luz, aquela espiga de milho já é bagaço, depois que gerou fubá, que virou cuscus, sem deixar vestígios, no tempo e no espaço, para que ninguém encontre-nos... Eu, o entardecer, o sol e o milho, tipo, pai, espírito santo e o filho... Abrasados, abraçados, nus, sob a sombra, do perdão, do pecado, e da cruz... Nossas almas vendidas, por qualquer conto de réis! Nossos corpos marcados, por linhas e pontos cruéis... Tal qual em ritos vudus, em que sonâmbulos vagam por aí, como notas perdidas de um blues... Sons que sangram a carne nos porões da cidade, que de vez em quando, samba, chora e ri... No fundo sou tudo isso! Faço meu próprio feitiço, sou herdeiro de Zumbi!!!!!! Poema para iniciados, pra falar da "questão sangrenta" dos negros, que não querem mais sangrar, em nome de nenhuma ordem social, econômica e política. Já sangramos demais por doutrinas e ideologias desiguais.