domingo, 22 de julho de 2012

Manhãs e sonhos na mesa do café

A repentina sensação, que se instaura quando nos livramos de algum pesadelo, quase sempre, tem clima de salvação, certo? Acredito ainda que todos os pesadelos se formem por conta de alguma percepção de perigo, em torno de nós, no plano real. Como já disse, em vários textos, não sou especialista em pesadelos, sempre tive bons sonhos. Me parece que meus pais, com todas as suas dificuldades conjugais, conseguiram desenvolver e aplicar, uma espécie de pedagogia dos sonhos, em seus filhos, como eu era o caçula, pude aproveitar o máximo desses ensinamentos familiares. Entre as muitas experiências que passei em minha própria casa, com meus irmãos, minha mãe e meu pai, essa era a vedete da família. Todas as manhãs, antes e durante o café, o ato de acordar, significava se preparar para contar os sonhos da noite, bem ou mal dormida. Por conta desse ritual familiar, aprendi a definir manhã, como a parte do dia, que começava depois do "canto do Galo", alguns mugidos do gado, latidos de vira latas, alguns gritos de trabalhadores rurais e o fantástico preparo da cena matinal em nossa casa. A mesa do café era recheada e farta de viagens e caminhos interpretativos de uns, sobre os sonhos dos outros...importante negritar que, naquele tempo, ninguém lá em casa, havia lido o clássico de Freud "interpretações dos sonhos", de certo, psicanálise não era algo que nós sentíamos falta, pelo contrário, aquele exercício de despertar dos sonhos, sem perdê-los de vista, era genial. Agora, posso dizer: minha "casa de infância" foi foda! Meus pais arrebentaram a banca do sistema psico-sociológico do Brasil. Minha casa, minha família são referências na minha formação literária e intelectual, toda minha vontade de ler, escrever, pesquisar, conceituar, defender proposições. Enfim, adquirir posicionamentos político-ideológicos e me interessar por música, poesia, filosofia e ciências sociais...tudo começou lá, na mesa do café, no interior do meu barraco de estuque e sapê.

sábado, 21 de julho de 2012

Linha tênue, outra parte

Enquanto escrevia os primeiros textos, não dominava nada do mundo das letras, muito menos do universo poético, que é um segmento específico dentro e fora da literatura, acredito que o poético interpenetra várias outras artes e campos do conhecimento humano. Naquelas ingênuas primeiras linhas, já havia uma carga de seriedade, que eu não tinha noção, por não saber a dimensão daquela atividade, fui fundo, me joguei! Fiz com o poético, o mesmo que fazia com o "poço", mergulhei de cabeça e foi o tchibum mais marcante e duradouro de toda a minha vida. Até aqui, não tenho o que reclamar dos estágios alcançados no meu processo de investigação poética. A linha que corta a realidade, abre passagem pra fantasias, desconstrói concretudes e instaura o império das possibilidades impossíveis, confunde-se, facilmente com o que as crianças fazem e os adultos classificam como algo menor, chamando de "brincadeiras", pra que não precisem decompor seus personagens, tirá-los do seus lugares de poder em relação ás crianças, seres frágeis, incapazes de viver alguma coisa interessante fora do alcance dos seus pais. Assim caminha a humanidade, dominada pelo patriarcado, passo a passo ao abismo da obsolescência. Hoje, procuro equilibrar a seriedade inerente à minha história de vida, os traços da minha personalidade com as escolhas que fiz. Estou certo de que a "escrita poética" é uma linguagem, extremamente, poderosa e sempre que escrevo, exerço esse poder da forma que aprendi, submergindo e emergindo...indo ao fundo e vindo à superfície...mergulhando, mergulhando, como faz aquela ave, o "mergulhão", em seu trabalho pra se alimentar...compreendendo os desafios do mar, dos rios, das águas, do mato, do campo e das cidades...enfim, trabalhando, trabalhando, quebrando pedras, apagando incêndios ou incendiando engenhos e paióis...como diz a canção:" Já não brinca mais...trabalha!" Na verdade, nem percebi o instante em que a linha tênue e invisível, que separa a seriedade da brincadeira, arrebentou e como um rebento, me tornei poeta e não mais só um brincante das palavras. O poético é um lugar, uma situação, uma condição psicofísica, onde se chega sem mapa, sem bússola, sem bola de cristal e sem GPS. No entanto, toda caminhada tem seu sacrifício, o poético é sagrado e maldito ao mesmo tempo. Por isso, não me arvoro em defesa do bem ou do mal, todo poder é desigual, defendo o fluxo como definidor de todas as ações vitais e transformadoras em qualquer sistema.

Linha tênue

Muitas vezes fui às profundezas de sentimentos fronteiriços. De tanto ir, cheguei a pensar que podia brincar de ir e vir, livremente, sem me ferir e sem interferência de outros. Cheguei a pensar também, que podia não mais voltar...aí, me apaixonei por uma linda e triste canção que diz: " Vou! Vou pra não voltar e onde quer que eu vá, sei que vou sozinho...tão sozinho amor! Nem é bom pensar, que eu não volto mais, desse meu caminho..." Essa é, sem dúvida, uma das canções inesquecíveis no meu repertório pessoal. Assim, como brincava de "Ioiô", aquele enrola, desenrola, sobe e desce, sem preocupações com o tempo, brinquei de ir e vir...levei tão a sério essa brincadeira que um dia, entrei em um terreno baldio, que na verdade, era o quintal de uma casa abandonada, onde havia um poço, com água pela metade, aparentemente, limpa e sem perigo. Ali, sozinho, experimentei meu primeiro momento de confronto psíquico com a sensação de estar no fundo do poço. Ali, sozinho, iniciei-me na arte do mergulho solitário e sem equipamentos adequados. Nunca tinha, se quer, escutado a palavra, "apneia", que só apareceu na minha vida com a morte, por afogamento, do ex-técnico do Flamengo, Cláudio Coutinho. Agora, entendo que essa experiência de mergulhar até o fundo das emoções, não é brincadeira. Após a primeira vez, que mergulhei naquele poço, minha percepção foi extremamente alterada. Havia descoberto um novo portal para exercitar minha liberdade, minha solidão, meus medos, minha intimidade, minha respiração, a relação prazerosa com o som e o silêncio, o direito de submergir/emergir e a consciência de estar livre no fundo e preso na superfície. Foi mais ou menos, nessa fase que escrevi meu primeiro texto, uma tentativa de colocar no papel, os detalhes de algo que se apresentava pra mim, como um acontecimento extraordinário e inesquecível. Esse texto foi baptizado de " Contato Esmeralda". De lá pra cá, tenho colecionado rascunhos de minhas reflexões sobre os desafios de "ser", "estar", "não ser" e "não estar" no mundo. Tudo isso vai sempre estar ligado aquele ritual iniciático dos "mergulhos", que a princípio, era só uma brincadeira, depois se transformou em uma prática reflexiva. Mesmo quando escrevo só pelo exercício da expressão escrita, articulando as palavras, como em um jogo de combinatórios improváveis, sei que estou lúdico...mas, não estou brincando.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tinta preta, página branca

Tantas e tantas vezes, desviamos o foco da lente do nosso prazer central.Em questão de segundos, aquilo que poderia ser uma eureca, abertura para uma criação genial, se transforma em qualquer coisa ou em uma obra mediana, daquelas que sentimos vontade de rasgar e jogar no lixo mais distante possível, pra que fiquem longe até de nossas gerações futuras. A velocidade que nossos neurônios desenvolvem para gerar uma ideia, deve ser a mesma desenvolvida para desfazê-la. Se imaginarmos os movimentos neuronais, baseados nos micros e velozes movimentos de retinas,que executamos, dormindo ou acordados, podemos ter uma ideia vaga, porém, aproximada desse fenômeno neuronal. Bem, esse texto, por exemplo, não tem a intenção de ser um tratado de neuro-ciência, até porquê, sou poeta e não neurocientista. Ao mesmo tempo, não tenho mais como esconder minha preferência por temas científicos ligados aos avanços dos nossos domínios, em relação ao funcionamento dos neurônios. Comemoro sempre que fico sabendo alguma novidade sobre os estudos neuro científicos, sei o quanto a investigação poética precisa dessas novas linhas cerebrais... Quando fecho meus olhos, tudo é preto. Se houver alguma claridade, aquela escuridão, em confronto com a luz, entra em crise policromática, passa por alguns estágios entre o polo branco e o polo preto, resultando em vermelho alaranjado. Desde criança, faço esse exercício, fechar os olhos e direcioná-los, para o sol. uma explosão de raios, em um espaço de tempo mínimo, quase imperceptível e uma paleta abstrata de cores imaginárias se abre na mente, como se o arco íris, fosse uma obra pintada por algum artista, que sentiu vontade de representar no céu, a fonte das cores. Vale destacar nesse texto, a importância da investigação científica, sem distanciá-la dos fatos comuns, até mesmo do universo das atividades infantis. É, extremamente, científico o fenômeno lúdico chamado "brincadeira", na vida de qualquer criança. Para que o prazer aconteça, é preciso saber brincar e para além de saber, tem que brincar direito, com respeito, ética, ou seja, é preciso brincar sério. Isso é, profundamente, científico, lúdico e poético. Por tanto, algo mais que tinta preta na página branca.