sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Desnecessidades finais

Bem, uma coisa é certa! Seja lá o que venha a acontecer comigo e com esses rascunhos, adoro essa palavra... pela primeira vez em toda a minha vida, até aqui é claro, estou me sentindo um escritor de verdade. Ainda que eu não seja, um escritor nos moldes daqueles que nos inspiramos, não importa! O que interessa aqui é o resultado da ação de operar alguns códigos imaginários, dispersos no enigmático espaço da memória afetiva, responsável pelos inesperados avanços psico-sociológicos, de indivíduos e grupos que compõem a gigantesca "cadeia interacional" formulada a partir da intersecção de centenas de milhares de fios, traços, pontos e outros códigos disponíveis para as nossas articulações mentais e paramentais. Deve ser por esse tipo de hábito que gosto tanto da palavra rascunho. Ela garante a potência artística da ação, em si. Cada vez mais, me conscientizo do poder desse resíduo literário, que chamamos de "rascunhos".

sábado, 24 de dezembro de 2011

À CNC

Constantes movimentações, por caminhos diversos, nos levam, logicamente, a lugares diversos. Às vezes, "dá ruim"...aí, por mais que tenhamos aquela certeza do onde queremos chegar, após darmos voltas e voltas, em torno de nós mesmos, acabamos no mesmo lugar.
Quando vi minha mãe, pela primeira vez, em uma roda de Jongo, não podia imaginar que ao longo da minha trajetória de vida e carreira artística, iria mexer, falar e escrever tanto sobre esse assunto.
Estou descobrindo ou constatando que o Jongo, solto como uma "manifestação musical-coreográfica", "assim falou Zaratustra", quero dizer, assim gostava de falar o nosso querido Mestre Darcy, pode se esgotar, se extinguir, apesar dos muitos resultados gerados por ele, incluindo o nosso "Jongo Contemporâneo" e o já tão consagrado e reverenciado, no mundo todo, o Samba.
Pude constatar também, que a cultura jongueira é muito mais poderosa que parece ser, afinal de contas, a cultura é o espectro energético de um povo e o povo jongueiro está mais que nunca, energizado pra defender seus territórios quilombolas e a cidadania de seus habitantes.
Agora, estou na segunda década de relação direta, objetiva e subjetiva, com a cultura Jongueira, como músico, pesquisador e autor de outros formatos, a partir do eixo tradicional.
Tenho me dedicado, quase integralmente, a essa linha de pesquisa ou seja, meu diálogo com o Jongo e seus contextos distribuídos pelo amplo território afro-sudestino, exige de mim mais que posso..." como diz a canção de Djavan/Caetano Veloso: "se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria..."(linha do equador)
Ter desafiado o mercado com um novo produto conceitual, que baptizei de Jongo Contemporâneo, me deu satisfação profissional e pessoal sem parâmetros. Minha meta inicial, era construir um repertório, um acervo de novos pontos e canções contemporâneas baseadas em jongo, não para resgatá-lo ou representá-lo, como fazem outros segmentos...mas, pra dar continuidade ao processo de vitalização dessa presença em nossa sociedade e fortalecer a minha pertença, enquanto homem negro, oriundo dessa cultura.
Outra satisfação notória é saber e ver com meus olhos, os resultados das nossas primeiras mobilizações em prol da ampliação do Jongo para os "espaços urbanos"... Lembro agora, do primeiro dia de oficina do Mestre Darcy, no quintal da Casa de Construção da Cidadania, nossa CCC em Santa Teresa, muito antes do trágico acidente com nosso véio bom Bonde. Aqueles meninos e meninas, que arriscavam seus primeiros passos e toques sob o olhar e a bengala exigente do Mestre, hoje, são homens e mulheres, alguns casados com filhos, outros solteiros, namoradores, todos apaixonados por música, todos Jongueiros Contemporâneos.
"Mais um ano se passou..." (trecho de uma das canções mais cantadas de outro grande mestre da soul music Brasuca,Dom Cassiano)muita coisa aconteceu, muitas coisas deixaram de acontecer e nossa Comunidade Negra Contemporânea segue seu curso rumo aos muitos outros tempos e desafios que ainda virão.
Salve a CNC - Comunidade Negra Contemporânea!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Caminho

Essa palavra é muito intensa. Não sei se acontece só comigo...mas, invariavelmente, quando me deparo com ela, a palavra ou o acontecimento, fico um pouco chapado.
A imagem de um caminho, sempre me remete a tempos passados, lugares que vivi ou a meta-lugares, que não estão no futuro, nem no passado...no entanto, podem estar aqui, não no presente concreto, objetivo...podem se encontrar em um tempo imaginário, metafísico que acontece, na paralela da cadeia temporal que nos comprime e nos define como seres-objetos manipulados pelo CRONOS.
Como pode uma palavra tão frágil, escrita no diminutivo e pronunciada, na maioria das vezes, com entonação suave, causar tamanho estrago na memória afetiva de alguém?
Apesar de ficar chapado, gosto muito dessa palavra.
Na verdade, por ter vivido parte da minha infância, no interior do Estado, em áreas rurais e semi-urbanas, a palavra "caminho", me lembra uma fase da minha vida, que eu não sabia o que era uma caminhada, logo, não sabia também, o que era um caminho, um atalho, um recurso pra diminuir o esforço de caminhar.
Numa cama, deitamos o corpo, pra descansar e projetar os movimentos subjetivos...numa estrada, nos colocamos de pé, para conduzir os movimentos objetivos...se queremos driblar nosso dominador, o "Cronos", inventamos um atalho, que sempre tem um formato mais singelo, mais estreito e, às vezes, tem até mais obstáculos, que vão exigir mais de nossa inteligência, contudo, estaremos prontos pra superar e curtir tal superação, já que esse caminho é fruto da nossa própria invenção. Já dizia D. Ivone Lara: " se o caminho é meu, deixa eu caminhar, deixa eu..."
E quando alguém diz: Ah! Fulano seguiu por outro caminho... todo mundo tem um caminho,cada um, que encontre o seu. A família, a comunidade, os amigos, podem até ajudar, só não podem atrapalhar. O prazer maior de um caminhador é saborear o gosto daquilo que ele inventou. Então, deixa o homem gastar a sola, ele precisa caminhar, pois, quem tem um caminho, sabe que vai chegar, por isso, não se importa em demorar.
Essa palavra " caminho" é, extremamente, poética e filosófica. É como se você olhasse pra algum lugar no horizonte e determinasse, só com o seu poder de percepção: esse é meu caminho! É por aqui que eu vou! E Pronto! Como deita-se o corpo na cama, deita-se a meta no caminho e sonha-se, enquanto caminha.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Meio estranho

Meu dia foi meio sem sal, sem sódio e sem sol. Foi um dia abafado, com aquele mormaço, que nenhum carioca gosta, por conta da indefinição...o Sol não sai, a chuva não cai...o vento não sopra, os pássaros desconfortáveis, se aninham com dificuldades por entre as folhas dos Oitizeiros, que também estão insatisfeitos com o comportamento do clima.
Em dias assim, é mais difícil voar, parece quase impossível cantar,
o ar mais pesado, a casa mais quente,normalmente, tudo fica mais arrastado.
A ausência de Sol forte afasta a inspiração ao banho de mar...sem banho de mar,sem sódio na pele...um dia insosso, sem choro e sem riso...enfim, um dia estranho.
Por conta da correria, passei da hora de almoçar e deletei o caminho pra cozinha.
Me lembro...tinha planos incríveis! Ia tirar um bife do congelador, deixá-lo sobre a pia, enquanto escrevia algumas linhas de um tratado, onde exponho, de forma livre, minha teoria universal sobre a importância fundamental do Rascunho, em qualquer processo criativo. Sem rascunho não há arte final, em certos casos, o rascunho torna-se a própria obra de arte, sem retoques. Agora tenho a sensação de estar trabalhando o acabamento de um texto, que havia deixado no rascunho, ao mesmo tempo, outra sensação me toma por completo e me faz acreditar que os elementos expostos no rascunho já definiam o valor estético e o nível da obra de arte em questão.
Hoje, não é um dia tão estranho quanto aquele, posso encaminhar melhor minhas prioridades. Sei que perdi outra vez, a hora regular do almoço...mas, ainda não sei ser mais eficiente que isso. Uma página me causa muito sacrifício

Rascuhos pós

Na década de 1980, já no final, comecei a flertar com o Rock, até então, só havia me relacionado com o amplo repertório dos terreiros de Umbanda, Candomblé e alguns cânticos de igreja, que chegavam no meu quintal trazidos pelas vozes de uma vizinha ou outra, estimulada pelas "cantorias"(Jongos,sambas,maxixes,modas de folia de Reis) verdadeiros concertos à capela, que minha mãe realizava todos os dias. Sem entrar em nenhum edital, sem lei de incentivo e sem saber, conscientemente, que era dona/geradora de um "Ponto de Cultura", mantido por recursos próprios.
Essa era a dinâmica musical da minha infância. Ah! Devo acrescentar que o auxílio-pesquisa, vinha de um rádio grande, de madeira, que ficava em cima da Cristaleira, com uma engenhoca de fios que se estendia por sobre o telhado e conduziam minhas primeiras indagações a respeito das ondas sonoras...esse rádio ainda pegava ondas curtas, quem se lembra?
Bem, só aqui já expus, pelo menos uns quatro capítulos marcantes de minha vida. Minha mãe, é claro! Sua principal atividade artístico-política, uma vez que, ela cantava pra dizer que estava ali, ocupando aquele lugar, viva, ativa e pronta pra expor suas ideias. Outro capítulo, ah! As vizinhas, que se incomodavam muito com a beleza conjuntural da estética negra de minha mãe. Incomodadas, se sentiam provocadas e acabavam entrando na brincadeira de cantar suas "territorialidades pessoais".
Quantos aos outros dois capítulos, não vou me estender agora, já falei sobre eles, em outros textos...o rádio e a cristaleira, são dois personagens, extremamente, definidores dos meus primeiros caminhos mentais, meus primeiros questionamentos lógicos, enfim, minhas formulações mais significativas ainda na infância.
Ah! Um capítulo à parte, que já escrevi um pouco, no texto: Subjeticidade...é o Futebol, que perpassa toda a minha vida e formação, até os dias atuais. O mais intrigante dessa relação com o futebol, é que de paixão, virou objeto de pesquisa e não pretendo me desvencilhar tão cedo, mesmo não sendo profissional e nem torcedor fanático de futebol...trata-se de um olhar particular sobre essa atividade humana.
Vejam vocês a importância de um rascunho.
Nossa memória afetiva vai acumulando as informações, naquele baú imaginário, que a cada fase da vida, muda de tamanho sozinho, pra receber mais e mais informações, que surgem, passam por nossos sentidos e precisam repousar em um lugar confortável e seguro, seria esse baú imaginário, que durante algum tempo, publicamente, chamo de Caixa Preta.
A diversidade de opções e manifestações artísticas, que tinha na minha infância, não deixaram espaços pra eu pensar que o Rock era música de Nórdicos ou dos play-boys, porque, a explosão multicultural lá de casa, era tão significativa, que nada fazia falta.
Na adolescência, década de 1980, começo a compreender as estratégias da Colonização Portuguesa, Espanhola, Inglesa, Francesa, Holandesa e Norte-Americana.
Nesse fluxo de pesquisa, necessidade intelectual e política de saber sobre esse fenômeno planetário, quase me envenenei de Coca-Cola e outras drogas, que na verdade, são produtos componentes de uma ampla estratégia de dominação. Até a pessoa aprender que uma bebida, qualquer substância, comportamento ou mesmo alguma ideia é indispensável, à sua personalidade, haja propaganda, haja massificação! Salve o santo Marketing! Salve a santa televisão. Nessa época, entre outras leituras, estava lendo um livrinho, que agora não lembro o autor...mas, lembro o título: Invasão Estrangeira. Desse livro pra cá, nunca mais fiquei à vontade perto de pessoas que gostam muito de Coca-cola, Hamburguer, cocaína e "rock nórdico" ou "anglo-saxão".
Os estragos de uma colonização são irreparáveis. A quantidade de gente debilitada que é produzida, geração após geração, é assustadora. Quando os afetados conseguem balbuciar algo sobre "reparação", já tem um coro de alienadaos, que foram lobotomizados e afinados pelo "sistema colonial", cantando: Ah! Que bobagem é essa...pra quê tanta pressa? Como dizia o Betinho:" quem tem fome tem pressa!" E quem já foi assassinado em alto mar, quer agora o Cais do porto.
Na década de 1980, me envolvi com o Rock and roll!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Desnecessidades

Um dia, sentado num boteco, observei uma série de acontecimentos comuns...desses que os dias trazem, repetidas vezes e nossos olhos, mesmo já cansados de enxergar, involuntariamente, movimentam-se, como dois sentinelas, numa coreografia impecável e determinam nosso direito de ver ou não, cenas surreais que a cidade oferece,
sem perguntar se é ou não do nosso agrado.
Agora, aqui pra nós, imagina se a cidade fosse um processo evoluído ao ponto de perguntar a cada cidadão se "isso" ou "aquilo" faz sentido, ser mostrado ou feito?
Com base na lógica da "Cidadania Ampliada", onde o cidadão tem plena consciência do seu poder individual/coletivo e sabe que não há cidade desenvolvida sem a participação efetiva dos cidadãos que nela habitam e que são os verdadeiros responsáveis por sua existência e bem estar.
Tudo poderia ser questionado e discutido coletivamente, todas as decisões mereceriam avaliação da Comunidade Cidadã, que seria composta de vários conselhos interligados por afinidades setoriais.
Quando o desenvolvimento sócio-cultural é travado ou retardado em uma cidade e o processo de formação política é manipulado e comprometido, com regras ultrapassadas, a "comunidade cidadã" encontra-se á beira de um abismo ou armadilha sistematizada, ou seja, uma espécie de ritualização da mesmice, pra facilitar a alienação e a dominação, diminuindo as perspectivas de sucesso da lógica da Cidadania Ampliada
sobre a lógica do Estado Limitado.
Um dia, sentado num Boteco, rascunhei uma teoria revolucionária...amassei o guardanapo e joguei na lata de LIXO, naquele momento, devo ter julgado aquelas ideias tão desnecessárias. No entanto, minha cidade ainda é tão rascunho de cidade...quem sabe algum revolucionário, ainda encontre aquele rascunho de revolução urbana?