segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Arte de ler e escrever arte

Ler pode nos levar à Leicura, quero dizer, que ler cura. Ler pode levar alguém à loutura? Mas, essa palavra não existe! Ah! É claro. Licença poética pra fundir loucura com leitura. Enfim, coisas da literatura. Convido pra essa leitura uma interlocutora importante pra nossa reflexão, Marisa Lajolo(2001). "A literatura fala de vários mundos: alguns parecidíssimos com o nosso, onde, por exemplo, tem gente que morre de fome nas ruas, e de mundos muito diferentes, onde vivem espíritos, anjos, energias e demônios".( Lajolo, 2001, p.9) Trouxe esse comentário pra ilustrar meu assunto principal, que trata de uma cena inesquecível da minha adolescência, que sempre me motivou a ler e a escrever, sobretudo, para compreender porque essas duas atividades podiam apresentar algum tipo de perigo pra alguém. Então, vamos à cena: Por volta dos meus catorze e quinze anos, estava sendo iniciado no movimento comunitário, fato que alteraria toda a configuração da minha cabeça pra sempre. A principal atividade nesse período era a leitura de clássicos da filosofia, do pensamento sociológico, político e econômico, entre eles, Aristóteles, Hegel, Marx, Hidegger, Gramsci, Lukács, entre outros. Esses autores consagrados como verdadeiros monstros da arte de pensar, me assombravam, uma vez que eu estava começando meu processo de militância política, tinha uma certa urgência de aprender o básico sobre a engenharia do pensamento ocidental, já que nasci no Brasil, onde a cultura dominante, estrabicamente, se enxerga como ocidental, mesmo não sendo. Ou seja, precisava desenvolver um relacionamento sério com a teoria social crítica, além de outras demandas, como por exemplo, me decidir quanto a minha prática religiosa, se seria católica, umbandista, candomblecista, protestante, budista ou qualquer outra coisa, que eu pudesse dar conta naquela fase da minha vida. Nesse período, li alguns clássicos da literatura brasileira e portuguesa, que foram fundamentais para a formação da minha base poética. Logo, cheguei a conclusão que não daria conta de nenhum processo doutrinário e, que a tendência mais próxima daquilo tudo que ainda não sabia sobre mim mesmo, era o ateísmo, que por me parecer extremo demais, me exigia uma dose exaustiva de estudos filosóficos e teológicos, diariamente. Essa autodeterminação pelo conhecimento foi me transformando em um autodidata e, se há alguma característica que defina um autodidata, posso apontar o comportamento autocentrado. No entanto, a prática política em torno das questões da comunidade, me ajudava a equilibrar essa postura autocentrada, à medida que me relacionava com a teoria num exercício de monge, no interior do meu quarto de adolescente afro-periférico, procurava aplicar o conhecimento estudado às várias demandas que se apresentavam no cotidiano comunitário e, ao mesmo tempo, deixava minha vida seguir os ventos que sopravam do seio desse movimento comunitário para outras partes do mundo ou do meu mundinho imediato de pequeno príncipe-monge-negro, candidato a líder comunitário,poeta e intelectual orgânico, nos termos Gramsciano. No meio dessa aparente complexidade, ainda tinha que cuidar da casa, ir à escola e realizar alguma atividade que pudesse ser chamada de "trabalho remunerado". Assim, esses anos foram marcados por uma rotina, pontuada por esses tópicos. Todos os fins de tardes, tínhamos a "Pelada na Praça". Era uma espécie de Fórum futebolístico ecumênico inter-geracional, onde as novas gerações, tinham a oportunidade de se expor e provar se podiam ou não estar entre os mais velhos, pelo nível de habilidade com a bola e com as ideias também. Portanto, era uma arena política comunitária, com enfrentamento corporal direto. Uma onda meio idade média. Desde criança penso e pratico a linguagem futebolística, gosto de escrever sobre essa temática. Desse modo, o compromisso com aquele Fórum futebolístico, me tomava, pelo menos, duas ou três tardes na semana. Mas, era o melhor lugar para compreender a dinâmica sócio-política do Bairro Jardim Palmares. Às vezes, voltava pra casa, já à noitinha, com joelhos, pernas, cotovelos ralados, sangrando, roupas rasgadas, cheias de lama, enfim, um verdadeiro caos, "vida de moleque! Algumas dessas tardes geravam um drama familiar, que me angustiava muito e eu não sabia como resolver. Quando meu tio chegava do trabalho, ele era funcionário público, da secretaria municipal de obras, lá estava eu, com a luz acesa, agarrado com minhas leituras e rascunhos. Essa prática já me acompanhava desde a infância, quando ficava lendo as revistas em quadrinhos do meu irmão, às vezes, à luz de vela. Naquela fase, não estava nem um pouco preocupado com a conta de luz, queria ler, ler, até cair de sono e dormir, profundamente. Meu tio, incomodado com aquele comportamento estranho pra ele, que era um homem semi-alfabetizado, se é que podemos pensar em alguém semi-alfabetizado. Pra ele, o meu comportamento, era preocupante. Eu poderia estar enlouquecendo de tanto ler...poderia estar desenvolvendo um quadro psicótico, por parecer tão isolado e absorvido pelas leituras. Como ele não sabia me explicar o que pensava de mim, falava qualquer coisa que pudesse me provocar a alterar minha rotina, assim, em uma daquelas tardes, ele não se segurou e mandou: "...Meu sobrinho, escuta aqui! Eu tô muito preocupado com você. Você fica aí, nesse quarto quieto...toda vez que eu chego, você tá aí, com a luz acesa, lendo esses livros, que eu não sei pra que servem". Aí, respirou e completou- "eu tô achando que você vai ficar meio maluco e, é por isso que tô preocupado". Me lembro que tentei explicar pra ele, a importância daquelas leituras pra mim, porém, sei que ele continuou acreditando que aquilo me levaria a loucura. Bem, de lá pra cá, já li dez vezes mais a quantidade de livros, que estava na minha mesa, naquele fim de tarde e, até acho que conheci, de certa forma, um pouco de loucura, no entanto, é a loucura do conhecimento e a cada dia, enlouqueço um pouquinho mais. Cada novo texto publicado me deixa um pouco mais louco, louco para ler outro, escrever outro e publicar outro. Boas leituras e boas reflexões. Até o próximo texto.

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