quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Teorias dos rascunhos

Quando percebi que podia operar códigos da Língua portuguesa para comunicar algo que me inquietava, comecei a viver uma série de experiências surpreendentes. Depois de escrever, ininterruptamente, para exercitar e desenvolver o hábito, a técnica, pra talvez, chegar a um estilo, uma forma própria de se comunicar através da arte escrita, uma coisa aprendi: não se produz uma obra de arte escrita, sem antes produzir rascunhos...e, passei a me encantar pela possibilidade de acessar e descobrir o que os grandes escritores jogavam no lixo. Sempre que via aquelas cenas clássicas das bolinhas de papel, caindo na lixeira ou rolando pelo chão, ficava curioso e a imaginação dava linha na pipa. Após muita observação sobre tudo que chamava minha atenção, entendi que o rascunho era a parte indesejável de um texto. Mais adiante, descobri que nem sempre era a vontade do autor que determinava o que seria texto final e o que seria rascunho. Nessa seqüência de percepções e descobertas, outras vieram. Uma ficha decisiva caiu quando dei mais atenção aos "rabiscos geniais" de Oscar Niemeyer, já que não pude ver os rascunhos do André Rebouças. Ali compreendi, que a arte de projetar, requer interpretação livre e ao mesmo tempo, rigorosa sobre os aspectos do rascunho. No entanto, como nunca temos acesso aos rascunhos que geraram grandes obras de arte, me preocupei em guardar meus rascunhos, ao invés de descartá-los, é claro que não consegui guardar todos, muitos se perderam. Assim, ao longo do meu exercício com a escrita, em todos os sentidos, desenvolvi um afeto quase doentio pelos rascunhos. No momento em que comecei a consolidar a ideia de publicar um livro, estava tão apegado aos rascunhos, que não conseguia imaginar minha primeira publicação literária sem a presença integral ou em parte, do conteúdo dos tais rascunhos. Então, tenho trabalhado, no sentido de recuperar e traduzir os estímulos iniciáticos da considerável porção rascunho da minha relação com a língua portuguesa e a literatura brasileira. Tenho cuidado para não me tornar um acumulador de papéis amarelados, manchados pelo tempo, mas, às vezes, isso acontece. Nesse trabalho tenho encontrado caminhos ainda mais estimulantes para refletir sobre, por exemplo, os diferentes níveis de relação que o povo brasileiro tem com a língua escrita e o quanto tais diferenças facilitam ou dificultam uma compreensão mais precisa do que seja o país, considerando o significativo número de analfabetos, os semi-alfabetizados e uma elite reduzida que domina os códigos da norma culta. Hoje, estou convencido da relevância dos meus rascunhos e por isso estou finalizando este livro Teorias do rascunho, rascunhos pré-textuais. Uma reflexão sobre tudo aquilo que queremos realizar, mas, que ainda não temos estrutura suficiente para fazê-lo, mesmo assim, fazemos. Talvez, seja uma característica que defina um princípio filosófico na forma como o povo brasileiro entende ou tenta entender o que é ser brasileiro. Quando se diz: Brasília é uma cidade planejada e o Rio de Janeiro é uma cidade espontânea. Isso sempre me deixou muito intrigado e provocado a pensar, criticamente, se espontânea não quer dizer: desestruturada, sem acabamento, não pensada. Uma cidade que se desenvolveu de acordo com as necessidades imediatas da Coroa Portuguesa. Quando entrei em um CIEP, pela primeira vez, percebi o quanto aquela arquitetura me chapava, no bom sentido e o quanto chapava as crianças também. Olhar para um prédio que foi projetado e olhar uma favela, é constatar o desespero com que as pessoas pobres constroem suas casas e como os pobres são maioria, a arquitetura do desespero define a estética arquitetônica da cidade, que hoje, chamo de Cidade rascunho. Às vezes, me parece que nada está acabado nessa cidade. Mesmo o que parece está pronto, ainda é rascunho.

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